Possível candidata ao Prêmio Nobel, Maria da Penha concede entrevista à Finatec
Foto: Viviane Pinheiro
Nesta semana, O Senado Federal anunciou que a farmacêutica Maria da Penha poderá ser indicada pelo Governo do Distrito Federal para concorrer ao prêmio Nobel da Paz de 2016. O prêmio é entregue anualmente no mês de outubro, em Oslo, na Noruega. O anúncio foi feito em sessão solene do Congresso Nacional que comemorou os 10 anos da Lei Maria da Penha (11.340/06) – considerada um marco no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em setembro, a ativista esteve na Finatec (Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos), no 10º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Na ocasião, Maria da Penha concedeu entrevista à Fundação. Em sua fala, ela deixa claro que seu maior sonho é ver a Lei sendo cumprida verdadeiramente no Brasil. “A Lei Maria da Penha não precisa ser alterada, ela precisa ser cumprida, efetivada, fortalecida na sua implementação pelos gestores públicos e pelos governadores do direito. Não é possível nós estarmos enfrentando um embate sobre como aplicar ou não a Lei. Ela serve e deve ser aplicada em qualquer contexto de violência contra mulher, em qualquer espaço, seja urbano ou rural, seja do litoral ao sertão”, afirma.
Ainda neste contexto, Maria da Penha falou um pouco sobre aspectos da Lei que devem ser melhorados e colocados verdadeiramente em prática. Leia a íntegra:
Finatec: Por que a senhora acha que não é necessário mudar a Lei?
MP: Não é interessante porque a Lei ainda não funciona corretamente por falta de compromisso dos gestores públicos. Apesar de em muitas capitais a Lei ter sido implementada, ela não está funcionando da maneira correta. Ela surte efeito quando é devidamente colocada em prática, por exemplo, com delegacias funcionando 24h, todos os dias da semana.
Finatec: Em algumas cidades, a lei tem uma efetividade maior em comparação com outras cidades menores. A senhora acha que é da cabeça do gestor acreditar que a Lei funciona ou alguém tem que forçá-lo a começar a implementá-la?
MP: Apenas em 2014 foi que todos as grandes cidades criaram suas Políticas Públicas, mas os outros municípios menores não estão providos dessas Políticas Públicas. Então, precisamos, sim, fazer com que os prefeitos se comprometam a criar os centros, por menor que sejam, mas que existam, para as mulheres de suas cidades terem onde denunciar, se orientar e se abrigar. No caso, o Centro de Referência da Mulher.
Finatec: A Lei protege as mulheres fisicamente, mas e o lado psicológico delas, há um acompanhamento adequado? O que tem sido feito e o que poderia melhorar?
MP: A Política Pública do Centro de Referência da Mulher é uma das mais importantes que eu acho que existe, porque a mulher chega a esse local e ela vai ser orientada psicológica, jurídica e socialmente. A mulher numa situação de violência perde a noção do que poderia fazer por ela mesma, ela pode querer acionar a Lei, mas não sabe o que a Lei trás. A mulher vai ser atendida por esse Centro de Referência em situação de violência doméstica, que é muito importante, pois ela se empodera, toma conhecimento do caso dela e como pode agir, parte para a denúncia e não volta atrás. Nesse centro, existe, ainda, a possibilidade da mulher ser transferida para outro Estado, se ela estiver correndo risco de morte. Nesse caso, ela pode, em conversa com o Centro de Referência, colocar onde poderia ir e o agressor não tomaria conhecimento, podendo refazer a sua vida em outro lugar.
Finatec: Na sua opinião porque as mulheres ainda têm medo de denunciar uma agressão?
MP: Porque isso é “normal”. Medo é normal quando a mulher é vitima de violência. Muitas vezes ela tem medo de tomar uma decisão por medo do agressor, por isso ela precisa do apoio do Centro de Referência. O que mais pesa para essa mulher é a família, que pode acusá-la “porque você vai se separar?”. Ela não quer denunciar porque, às vezes, tem filhos, família e não tem como se sustentar. Então, é necessário o Centro de Referência para orientar, esclarecer essa mulher, para que, mesmo com medo, ela possa se programar para em um momento “X”, ela sair daquela situação com mais segurança.
Maria da Penha diz, ainda, ser terrível saber que, cotidianamente, mulheres casadas são forçadas a manter relações sexuais com os maridos, que crianças estão sendo violentadas pelos próprios pais. “É claro que todos concordamos com o fim da violência, mas o que estamos fazendo para que isso ocorra? Quantos de nós ainda reproduzem piadas dizendo que ‘em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher’? ou ‘ele pode não saber por que está batendo, mas ela sabe muito bem porque está apanhando’? Essa questão poderia ser facilmente respondida se nós reconhecermos que mulheres, independente da condição social, cor ou credo, merecem ter seus direitos ampliados, garantidos e protegidos pelas leis, respeitados e reconhecidos por toda a sociedade.” E finaliza sua fala dizendo: “por um mundo sem violência contra a mulher, eu digo, não mexam na Lei Maria da Penha!”