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Para onde vai o trabalho humano na era digital?

Pesquisadores da UnB trabalham para responder entender e dar respostas a essa pergunta

Analisar as transformações na forma de ser e de organização do trabalho no início de século XXI, em particular com o aprofundamento das transformações tecnológicas — a chamada 4ª revolução industrial, indústria 4.0, revolução digital— entre outras expressões. É sobre este tema que um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e outros de Portugal e da França se debruçam para ter respostas. 

Por meio da Finatec, o grupo recebeu recursos para financiar dois projetos que compõem um projeto guarda-chuva e coletivo intitulado Para onde vai o trabalho humano na era digital? “Nosso foco é olhar esses processos desde baixo, isto é, a partir das percepções e vivências das trabalhadoras e dos trabalhadores, buscando compreender os impactos dessa realidade sobre o labor”, explica o professor Ricardo Festi, coordenador do projeto. 

A investigação teve início em março de 2020 e, neste ano, o grupo entrou numa nova fase concentrada em alguns eixos temáticos: os entregadores e motoristas de plataformas digitais (os uberizados) e os microempreendedores individuais (MEIs). A abrangência da pesquisa é o Distrito Federal e Entorno, mas também é parte deste projeto mais amplo uma análise comparativa com a realidade de Portugal e França. Temos inclusive pesquisa sendo realizada nos dois países. “Futuramente, queremos avançar para compreender as modalidades de micro trabalho e de teletrabalho, todas impactadas pela plataformização”, antecipa Festi. 

No primeiro semestre de 2023, os pesquisadores aplicaram uma survey com entregadores de aplicativos do Distrito Federal e Entorno. O questionário chegou a mais de 700 trabalhadores e trabalhadoras e foi integralmente respondido por 247 (por meio on-line e presencial). Além disso, a parte presencial contou também com observações e registros fotográficos dos locais de descanso e coletas de alimentos destes profissionais. O objetivo do questionário foi compreender as suas posições e percepções em relação ao debate sobre a regulação do trabalho em plataformas digitais.

Neste caso, a pesquisa com os entregadores de aplicativo mostrou uma contradição entre o desejo de ter direitos trabalhistas garantidos nas plataformas digitais, ao mesmo tempo que se rejeita o contrato de trabalho e se valoriza a autonomia e a flexibilidade. Os respondentes sabem que as condições

de trabalho são bastante precárias, mas ainda assim preferem trabalhar em média 16 horas por dia para obter uma renda líquida que não teria como celetista.

“Esta constatação nos tem feito revisitar a tradição crítica da sociologia do trabalho e da história da força de trabalho no Brasil e compará-la com os outros países envolvidos na pesquisa para compreender melhor este fenômeno presente há décadas numa camada da classe trabalhadora brasileira (que, em sua maioria, vive na informalidade e precariedade), isto é, a vontade de estar livre dos ditames de um patrão.” 

MEIs

As próximas etapas da pesquisa envolverão a aplicação de uma survey entre motoristas de aplicativos sobre a mesma temática e, concomitante, a realização de entrevistas em profundidade. “No caso da frente de pesquisa sobre MEIs, realizamos Grupos Focais com diversos perfis de diferentes regiões administrativas do DF. Neste caso, ainda estamos em processo de sistematização e análise dos dados obtidos. E, por fim, no âmbito da pesquisa comparativa com outros países, temos realizado entrevistas com entregadores e motoristas de aplicativos de Portugal”, explica Ricardo Festi. 

Como se trata de uma pesquisa que envolve vários pesquisadores e pesquisadoras, há duas dimensões neste projeto. Uma, coletiva, que busca por meio de ações comuns levantar dados empíricos (como as entrevistas, aplicação de survey, análise de dados estatísticos de fontes oficiais etc.) para os auxiliar em reflexões teóricas mais profundas. 

A outra dimensão do projeto envolve as vontade e necessidades individuais de cada pesquisador e pesquisadora. Todos estão realizando pesquisas de iniciação científica, pós-graduação ou pós-doutorado. Dessa forma, confluímos o individual e o coletivo, criando um espaço comum de trocas e reflexões em nosso grupo de pesquisa.

O projeto tem uma equipe de 18 pesquisadores, composta por professores, uma pós-doutoranda, um pesquisador colaborador júnior, doutorandos, mestrandos e graduandos. Há também uma outra parte da equipe, envolvida na pesquisa, de colegas portugueses. “Estes estão envolvidos como parceiros de uma rede de investigação que temos buscado construir e colaborar por meio de agendas comuns de reflexão e estudos”, explica Festi.

Gestão

Os recursos geridos pela Finatec são provenientes de emendas parlamentares. Mas também há auxílios financeiros da FAPDF, de um edital de demanda espontânea, e do Proic (Iniciação Científica de alunos/as da graduação).

A Finatec tem sido fundamental no auxílio da gestão do recurso, segundo Ricardo Festi. A sua execução começou recentemente, com o pagamento de bolsas e, agora, a aquisição de serviços (como a produção de um site para o projeto, assinatura de software etc.). Mas a parceria com a fundação começou muito antes, com o auxílio no processo de tramitação burocrática nas instâncias da UnB.

Futuro

Diante dos resultados obtidos os pesquisadores já traçam planos para novas pesquisas nos anos subsequentes, pois muitos novos temas estão se abrindo com a investigação e que deverão originar novas investigações, tais como a questão racial, a de gênero, a geracional, o micro trabalho, o teletrabalho etc. 

O balanço até aqui tem sido muito positivo. A pesquisa resultou em reflexões que permitiram aos participantes entrar no debate público sobre a regulação do trabalho em plataformas. “Participamos de audiências públicas na Câmara Legislativa do DF e do Senado Federal, além de compor um grupo de pesquisadores de todo país que tem auxiliado no debate do GT, criado pelo governo federal, sobre a regulação do trabalho em plataformas digitais. Além do artigo citado anteriormente, publicamos um livro intitulado A tragédia de Sísifo: trabalho, capital e suas crises no século XXI pela editora Paco”, concluiu Ricardo Festi.

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